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                          Entrevista com um peão central

Pergunta: Como você se define?

Resposta: Para falar francamente, sou apenas um súdito da realeza. Tenho outros sete irmãos, cada um com o seu rumo de vida específico. Raramente nos encontramos, salvo, é claro, quando por circunstâncias óbvias, temos a chance de nos ver devido a regras do “destino” que nos determinam uma existência mais próxima. Chegamos até mesmo a nos defender em razão de nossa debilidade de poder, mas não raramente algum dos irmãos fica abandonado, isolado, sem proteção nenhuma. Particularmente, eu tenho uma vida, parcialmente privilegiada, pois, como peão central, tenho a possibilidade de observar muita coisa, embora não por muito tempo, pois sou descartado, quase sempre, em função de interesses muito além de minha capacidade de intervenção política.

Pergunta: Como assim, “descartado”?

Resposta: Ora sacrificam-me pura e simplesmente como massa de manobra, para conquistar espaço e tempo, pois você sabe como são essas guerras da realeza. Ora sou trocado por um pobre infeliz, igual a mim, outro coitado que apenas existe para atender o interesse dos dominantes e opressores. Algumas vezes sou esmagado pela cavalaria do exército inimigo, ou até mesmo por seus representantes ideológicos.

Pergunta: Essa sua linguagem marxista não é um pouco incoerente? Afinal de contas, se você superar a todos os obstáculos, irá se transformar em um membro da realeza, mudando de categoria social.

Resposta: Existe uma pequena imprecisão em sua análise, permita-me dizer, porque ao ser promovido, o peão realmente altera seu status, muda de estamento, sendo essa uma possibilidade teórica que, na maioria esmagadora das vezes, não ocorre. As batalhas terminam sem que haja uma única promoção, porém mesmo que isso ocorresse seria apenas mais uma manipulação ideológica para manter os peões esperançosos e alienados, aguardando que a salvação venha dos céus ou de alguma atitude magnânima dos soberanos. Interesses supra-racionais e mesquinhos definem as decisões dos opressores, que tudo fazem para manter o status quo.

Pergunta: Para encerrar nossa entrevista, o que você pensa criticamente dessa sua situação?

Resposta: Querem nos fazer acreditar que deuses manipulam nossos movimentos, entretanto está mais do que óbvio que todas essas justificativas são falsas, pura construção ideológica para nos manter reféns de um odioso poder absoluto dos reis, que nos exploram impiedosamente para se eternizarem em seus tronos, pois, em última análise, seguem, a exemplo dessas divindades, também imortais. Isso só reforça a idéia de que é a existência real que nos determina a consciência, e não o inverso. Chegará o dia em que os peões unidos jamais serão vencidos...