O ex campeão mundial Boris Spassky (Leningrado, 30 de fevereiro de 1937) acaba de celebrar seu aniversário 75. O mundo lhe conhece, paradoxalmente, mais pelas suas derrotas como partenaire do não menos grande Robert Fischer que pelas suas grandes conquistas, dentre elas a que representou ter vencido nada menos que ao sólido Tigran Petrosian.
O primeiro grande sucesso na vida enxadrística de Spassky foi a conquista do campeonato mundial juvenil no ano 1955 (Antwerp, Bélgica), que lhe valiou o título de grande mestre. Já naquela época se perfilava como um dos futuros contendentes á coroa mundial, e treinado pelos famosos Zak (primeiro) e Tolush (logo) ganhou fama de destemido condutor de ataque. Porém foi a sua associação com Bondarevsky, nos começos dos anos sessenta, que o seu estilo ganha uma forma universal. O jovem mestre começa a se desenvolver com igual maestria nas posições agudas e muito complexas tanto quanto nas secas e posicionais! Um fenomeno ante então nunca visto no mundo do xadrez de alto nível, onde os mestres eram representantes de tal ou qual estilo (por exemplo, os representados no seu tempo por Alekhine e Capablanca, antagônicos não somente nas suas personalidades). Sobre esta particularidade Kasparov escrivou: "Spassky apreciava particularmente um forte centro móvel, desenvolvimento livre, e era esplêndido na condução de um ataque direto ao rei. Além disso, ele gradualmente aprendeu também a manobrar com sutileza, defender posições inferiores e jogar o final de jogo com boa técnica. E ele fez tudo igualmente bem, até mesmo com uma indiferença exagerada: bem, se isso é um ataque, é um ataque; se é um final de jogo, é um final de jogo. Mas na menor oportunidade Spassky demonstrava, apesar de tudo, sua inata habilidade para encontrar o caminho em posições complexas, abundantes em golpes táticos e desprovidas das costumeiras diretrizes. Portanto, em suas raízes enxadrísticas, Spassky está na verdade muito mais próximo de Chigorin, Alekhine e Tal do que Botvinnik, Smyslov ou Petrosian. Isso provavelmente explica porque nos seus melhores anos nem Tal, nem Korchnoi, puderam basicamente jogar contra ele. O jogo deles, especialmente o de Tal, podia ser lido por Spassky como um livro aberto" (no livro Meus grandes predecessores, volumen III). A primeira tentativa de chegar ao Olimpo enxadrístico aconteceu no ano 1966, quando após eliminar sucessivamente Keres, Geller e Tal enfrentou Petrosian pelo título mundial, perdendo por somente um ponto. No seguinte ciclo, Spassky eliminou Geller, Larsen e Korchnoi -em todos os casos, com diferença de três pontos- e novamente bateu nas portas do campeão armênio. Nesta oportunidade, Spassky venceu por 12,5 a 10,5 e conquistou o título mundial. Como campeão, foi um real sucesso a sua participação no match entre a União Soviética e o Resto do Mundo, onde derrotou sem contemplações ao primeiro tabuleiro adversário, Bent Larsen, e também a sua vitória contra Fischer na olimpiada de Siegen 1970, torneio que ganhou a então imbatível equipe soviética (a primeira quebrantadura no muro acontecera só no ano 1978, quando Hungria venceu em Buenos Aires). É talvez o melhor período da vida enxadrística de Spassky. O ano 1972, entretanto, seria psicologicamente a chave para os posteriores acontecimentos na vida do campeão -não somente a enxadrística!-. Spassky ingressou direto nas redes psicológicas que, com paciência de aranha, foi colocando o polêmico e genial Bobby Fischer no seu caminho. Um tipo de luta que transbordava o tabuleiro e para a qual a escola soviética não preparava! Ainda assim, o campeão aceitou cavaleirosamente a sua derrota (12,5 a 8,5). No entanto, as autoridade soviéticas não tiveram a mesma conduta, e logo Spassky passou ser dentro do seu próprio país um suspeito... quando menos um azarado por ter sido a pessoa que perdeu contra um americano em plena guerra fria. O homem de Leningrado tentou ganhar o direto a uma revancha com Fischer: no seguinte ciclo de candidatos, ele começou bem, vencendo Robert Byrne (também americano, uma mini vitória moral), mas depois, nas semifinais, caiu ante um jovem Anatoly Karpov -este último consagrou-se campeão após vender Korchnoi na final e esperar em vão que Fischer lo enfrente-. O golpe parece ter sido duro para Spassky: esta derrota, junto a prévia com Fischer parecem ter tirado toda vontade de lutar por ficar no mais alto do xadrez mundial. Outros interesses, como o tenis, passaram ganhar espaço. Para finais do ano 1976, o seu casamento com uma francesa -Marina Stcherbatcheff- abriu as portas para um translado de país. "As autoridades soviéticas, chocadas com a recente deserção de Korchnoi para o Ocidente, abriram uma exeção rara e lhe permitiram ir e viver com sua esposa na França" (Kasparov). No entanto, Spassky continuou jogando com bandeira da União Soviética até 1984. Nesta fase, e durante muitos anos, o jogo de Spassky passou ser conhecido por uma quantia grande de rápidos empates e resultados que, ainda bons, estavam longe dos seus melhores tempos. A sua paixão pelo xadrez pode ter resurgido no ano 1992, quando surpreendendo ao mundo tudo aceitou jogar um match "pelo título mundial" contra o retirado Fischer! Spassky, enfrentando alguns problemas de saúde, perdeu por 10 a 5 (com 15 empates). No século XXI, as suas participações em torneios espaciaram-se -a último delas, um match de jogos rápidos contra Portisch em 2007-, também por causa de problemas de saúde. Neste 2012 Spassky se mostra recuperado e com seu senso de humor intato. A sua derrota com Fischer é o primeiro que surge na mente das pessoas quando é nomeado, mas tendo em conta as suas enormes contribuições ao jogo, é quanto menos injusto limitar a sua presença no mundo das 64 casas num só evento.
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